


Foi na primeira metade da década de 50 (do século passado) que surgiram na Comenda as primeiras camionetas ditas da carreira. Talvez por volta de 1953. O acontecimento teve grande impacto cá na terra, constituindo, nos primeiros tempos, motivo de grande curiosidade para os nossos conterrâneos. Sobretudo para a petizada da escola, que festejava ruidosamente a chegada do pachorrento veículo à nossa aldeia no final de cada dia.
A empresa de camionagem que assegurava a carreira de passageiros entre Belver e Portalegre, com passagem obrigatória pelo Castelo, era propriedade de Luís T. Martins Murta e estava sediada na capital de distrito. Os autocarros estavam pintados com as cores tradicionais da firma –vermelho e preto- e ostentavam nos seus flancos o nome Murta em caracteres de grande dimensão. Vocacionados, igualmente, para o transporte de volumes de grande porte, esses veículos dispunham de vastas bagageiras nos respectivos tejadilhos, aos quais se acedia graças a uma escadinha montada à retaguarda.
A propósito desses detalhes, o escrevinhador destas linhas (que na altura andaria pelos 7 ou 8 anos de idade) lembra-se de ter ouvido o seguinte diálogo travado entre dois cachopos do seu tempo :
- Ó Zé, o que é que quer dizer a palavra Murta ?
Resposta ingénua (mas inventiva) do interpelado :
- Quer dizer que se agarrares à escada e fores apanhado és ‘murtédo’ !
Isto, porque era hábito de alguns miúdos da minha idade irem esperar a carreira à subida da Ribeira da Venda (onde o motor do veículo perdia fôlego e obrigava a um abrandamento da marcha), para se empoleirarem nas tais escadinhas. Perante, como é óbvio, a natural irritação do motorista e do revisor do autocarro.
Outros cachopos aguardavam, com visível ansiedade, a chegada do autocarro no início da rua grande, perto da sede da antiga Casa do Povo, e acompanhavam-no, correndo atrás dele, gritando :
- Carreira, carreira !!!
É evidente que toda esta euforia era provocada pela novidade e que estas manifestações de regozijo pueril se esbateram com o passar do tempo. Acabando por desaparecer completamente. O que prevaleceu foi o hábito de estar presente na paragem –situada no sítio onde ainda hoje se encontra- para assistir ao embarque e desembarque dos passageiros. Hábito antigo, e também tradicional noutras localidades. Tal como o ilustram e confirmam as imagens cinematográficas da chegada da diligência às cidadezinhas do Faroeste do século XIX.
Curiosidade : A empresa de camionagem Murta (que presumimos já não existir) foi uma das primeiras firmas do ramo a operar no nosso concelho. Com efeito, antes de aparecerem na Comenda, já há muito (desde 1935) que os carros da Murta percorriam o trajecto Portalegre-Estremoz com passagem obrigatória pelo Gavião. Outra linha (entre várias) explorada por esta conhecida companhia de transportes foi (a partir de 1936) a de Alpalhão-Abrantes, também ela com passagem programada pela sede do nosso concelho.
Penso, sem contudo ter a certeza, que esta firma portalegrense foi (em data indeterminada) comprada pela sua congénere João Cândido Belo, de Setúbal; empresa que seria, por sua vez e logo após o 25 de Abril de 1974, integrada na Rodoviária Nacional, companhia formada com os efectivos de uma multitude de empresas estatizadas.
Manuel Monteiro da Silva