Conversando com gente da Comenda pertencente à geração que a minha precedeu -gente que anda agora na casa dos 80 anos- veio à baila o problema dos transportes, que se fazia sentir quando as pessoas do Castelo tinham de se deslocar para fora da aldeia. Mesmo quando o destino desses nossos conterrâneos eram as localidades aonde nós vamos hoje de automóvel em apenas 15 ou 30 minutos e que, por via de consequência, achamos que estão pertinho.
Falamos de viagens que era imperioso empreender, como, por exemplo, as feitas à Câmara de Gavião (por causa de papelada de natureza administrativa) ou ao Tribunal da Comarca, em Nisa (se o assunto era do foro judicial). Havia também as viagens úteis, que se faziam para ir às lojas comprar um corte de fato, tecido para um vestido ou adquirir qualquer outro artigo que, nesse tempo, era impossível encontrar na nossa terra; ou ainda aquelas que se faziam para ir a um mercado regional importante ou, até, para tirar a fotografia que eternizasse um momento festivo ou o retrato que -no caso das moças casadoiras se enviava ao namorado que estava na tropa ou ausente em carvoarias ou noutras actividades, que o haviam afastado temporariamente da aldeia.
Nessas circunstâncias, recorria-se a tudo e, na falta de automóveis (que nos anos 30/40 do século XX se contavam, na Comenda, pelos dedos de uma só mão), ia-se de bicicleta, de carroça e até de burro. As longas caminhadas também não estavam excluídas desses hábitos e, segundo os meus interlocutores, ‘andar a butes’ era até o meio mais frequente e natural para ir da nossa terra até um outro qualquer lugar da região.
A Ponte de Sor era, nas décadas acima referidas, uma das vilas do Alto Alentejo que maior atracção exercia sobre os nossos conterrâneos. Ia-se lá ao fotógrafo Reis, pelas razões já evocadas, às várias e bem guarnecidas lojas, mas, sobretudo, por ocasião da famosa feira da Ponte, para lá comprar uma prendinha (um fio de ouro, uns brincos, uma peça de loiça), uns sapatos -que as senhoras da Comenda queriam que fossem o reflexo da moda lisboeta- ou um robusto e varonil par de botas. Além de muitas outras coisas.
Para chegar à Ponte de Sôr (onde hoje todos nós vamos em meia hora), os comendenses –homens e mulheres, jovens ou velhos- faziam o caminho a pé até à estação de caminho-de-ferro da Cunheira, em cujo percurso demoravam mais de 1 hora. Dali tomavam um fumegante e ronceiro comboio até à estação da vila de destino (mais ½ hora de viagem de «cu tremido», tal qual me foi sugestivamente dito por alguém cá da terra), depois caminhavam mais uns 20 ou 30 minutos até ao coração da vila, pois, naquele tempo, a referida estação ainda ficava longe do casario e dos comércios.
Em princípio, partia-se do Castelo de manhã cedo. Por volta do meio-dia, já na vila de destino, consumia-se o farnel que previamente se havia preparado em casa (quando não se optava por comer uma refeição económica numa das tascas da terra) e, depois de efectuadas as almejadas compras, repetia-se a mesma viagem (caminhada-comboio-caminhada) em sentido inverso.
Como é fácil de imaginar, as pessoas voltavam ao Castelo cansadas por uma jornada bem preenchida e, naturalmente, bem andada. Mas regressavam contentes, por terem arranjado os artigos que pretendiam adquirir, e, também, pelo facto de terem –durante um dia inteiro- logrado evadir-se da rotina de uma terra pequena e modesta como a Comenda, onde as distracções eram raras. Mas nisso, passadas que são 7 ou 8 décadas, a nossa terra não mudou muito…
Manuel Monteiro Silva
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