sábado, 10 de dezembro de 2011

Depois de uma longa pausa devido a falta de tempo e imaginação, publicamos aqui mais uma história sobre a nossa terra, da autoria de um amigo.  


BRUXAS, LOBISOMENS E GALAFOUS 
Vivi na Comenda em 1952 e em 1953. Tinha, então, 7/8 anos de idade e era -como todos os outros miúdos do meu tempo- emocionalmente frágil e impressionável. Nessa época, o Castelo (nome pelo qual todos nós designávamos a nossa terra) ainda tinha as noites povoadas por entes fantasmagóricos, cuja ‘existência’ era evocada nos serões familiares (ainda sem luz eléctrica, sem rádio, nem televisão) e me provocavam noites de insónia e de temor. Lembro-me dessas noites em que as pessoas falavam do ‘assunto’ e lembravam a história de X ou de Y, geralmente fulanos que toda a gente conhecia, a quem teriam aparecido ‘almas do outro mundo’ e outras criaturas sobrenaturais. E recordo, como já acima referi, as noites passadas em claro que tais relatos provocavam. Nas noites longas e escuras -como as de Lamego, evocadas por Camilo Castelo Branco nas suas «Novelas do Minho»- qualquer ruído, qualquer fenómeno natural provocavam em mim (e presumo que nos outros cachopos da minha geração) visões inexplicáveis, que me faziam transpirar de terror. Terror felizmente dissipado com a alvorada, com o nascer de um novo e claro dia, que parecia espantar todos os seres noctívagos; fossem eles bruxas (como ou sem vassoura), ‘blusomes’ e galafous. Deste último e fantástico ente, só conheci a ‘existência’ há pouco tempo, graças a uma conversa travada sobre o assunto com um nosso conterrâneo quase octogenário. Esse senhor não me soube dizer muito bem o que era um galafou, mas garantiu-me que era uma espécie de côca evocada pelas mães para prevenir, quase sempre com sucesso, as tropelias e maldades da progenitura.
 
Recordo-me de ter assistido, nos anos 80 (do passado século, obviamente), a uma conversa entre o meu pai e um tio dele (homem que, na altura, andaria, também ele, na casa dos 80 anos) sobre a decisão do meu genitor construir uma casa em determinada rua da Comenda. Com o tio a tentar dissuadi-lo de ali instalar o seu lar, porque a rua em questão (hoje habitada por meia dúzia de famílias) «ser muito batida pelas bruxas»... Presumo que estes mitos, cuja tradição se perde na noite dos tempos, seja comum às aldeias vizinhas da nossa terra e não só. Felizmente esvairam-se, ou perderam vigor, com a chegada do progresso. A electricidade e a instrução acabaram por dar cabo de bruxas, lobisomens e galafous, reminescências de um passado medieval povoado de monstros medonhos e de algumas fadas benfazejas, que perdurou nas mentalidade das pessoas até à chegada da escola pública e obrigatória, introduzida nas nossas aldeias em inícios do século XX pela I República. E ainda bem, porque só com a instrução (e o progresso que dele adveio) se pôde por cobro a tantos séculos de obscurantismo !
A.J.P.

Nenhum comentário:

Postar um comentário