sábado, 23 de maio de 2009

MELANCIAS GIGANTES E INTERMINÁVEIS NÚVENS DE POMBOS






Certa vez, viajando eu no comboio para Lisboa (que tomara na estação de Belver), travei conhecimento com um senhor da região de Abrantes, que aparentava ter uns 70 anos de idade. Tendo-lhe dito, para satisfazer a sua curiosidade, que era natural da Comenda, esse tal senhor levantou os braços ao céu e exclamou :

-Ah, a terra das melancias grandes !

E explicou-me que, na sua juventude, visitara várias vezes a Comenda por altura das festas em honra de Nossa Senhora das Necessidades e que ficara pasmado -ao vê-las expostas no terreiro fronteiro à velhinha igreja do Vale do Grou- com o tamanho descomunal dessas nossas cucurbitáceas. As maiores que ele já vira !

Curiosamente, poucas semanas mais tarde, durante o convívio proporcionado por um encontro de coros que teve lugar na nossa terra, um portalegrense que já não vinha à Comenda há muitos anos (desde a sua meninice) disse-me que a recordação -relacionada com o Castelo- que mais viva permanecia na sua memória era também a do impressionante tamanho das melancias que por aqui se cultivavam. Melancias tão grandes, que uma única das suas talhadas saciava a fome (ou a sede) de uma pessoa normal.

Quero aqui dizer que estes testemunhos de gente de fora da nossa terra me proporcionaram um gozo muito particular. Isto, pelo facto de eu já ter referido tal fenómeno e de, regra geral, os meus interlocutores só não me chamarem mentiroso por caridade cristã ou por pura cortesia. E o problema é que essa qualidade de melancias gigantes já não se produz, já não se vê, e de, assim, ser muito difícil demonstrar a minha boa fé. A não ser recorrendo à memória da gente da minha idade (ou mais velha), que, materialmente, também ela nada pode provar.

Outra recordação que eu já tenho evocado em conversas com amigos (que não conhecem o norte alentejano) é a das tais núvens de pombos bravos que obscureciam o céu da nossa terra por altura das cíclicas migrações desses voláteis. Também ninguém acredita nisso, embora na Comenda ainda exista muito boa gente que pode testemunhar da veracidade de tal fenómeno.

Eram bandos de aves com quilómetros e quilómetros de comprimento, que levavam várias horas a passar-nos por cima da cabeça. E que à noite pousavam nos sobreiros e azinheiras das redondezas, onde os esperavam os caçadores locais, que, com meia dúzia de tiros (que nem precisavam de ser certeiros), enchiam sacos de pombos bravos. Para dar e vender. E também para os cozinhar, em suas casas, segundo os preceitos de uma receita tradicional : cozidos numa caçarola de barro, com tenras couves da horta.

Também isso desapareceu há muito tempo. Provavelmente devido à caça intensiva praticada aqui, na nossa região, mas também em França e em Espanha –especialmente na região pirenaica- onde os caçadores locais fizeram razias ferozes, irreversíveis, que quase dizimaram a espécie.

Resta-nos, pois e como derradeiro consolo, a recordação dessas coisas extraordinárias do passado. Coisas que não se podem contar a toda a gente, porque o mais provável é ninguém acreditar nelas e nós (eu e você) passarmos por mentirosos.


Manuel Monteiro da Silva

2 comentários:

  1. O Sr. fez-me lembrar uma história com quase 30 anos e eu só tenho mais 10, quando fui pela primeira vez á praia, para uma colónia de férias em Torres Vedras (praia azul), fizemos uma paragem na Ponte de Sõr onde um senhor já de idade me perguntou qual era a minha terra quando lhe respondi que era da Comenda, disse-me de pronto "Comenda"? Terra das boas e grandes melancias", ainda me recordo perfeitamente como eram grandes e muito boas as melancias que vinham da costa e das Polvorosas nos reboques cheios dos tractores.
    A minha Mãe gostava sempre de comprar a maior mesmo que não fosse a melhor, mas boas eram todas.

    ResponderExcluir
  2. Não tenho o conhecimento e ignoro, se elas, as melancias, se elas estavam expostas no terreiro fronteiriço à velhinha igreja do Vale do Grou, e se elas, as cucurbitáceas, se elas apresentavam o tamanho descomunhal referido.

    A situação, a situação tem um sabor a um gosto etnográfico presente na história da vossa história, que parecendo um ontem tão distante no vosso passado, na minha opinião, mais parece que é um hoje, por continuar a ser tão vivo, na altura, em Festas em Honra da Nossa Senhora das Necessidades, a juventude, no Vale do Grou, de noite, enquanto uns discutiam o preço e tomavam o desalento do vendedor, outros as mandavam a arrebolar pela encosta e ribanceira abaixo, para elas serem apanhadas por outros em lugar mais inferior e escondido...

    O´LUIS

    ResponderExcluir