


Parece não haver dúvidas quanto às origens deste delicioso prato da gastronomia alentejana. O sarapatel (ou sopas de sarapatel, como também lhe chamam na nossa aldeia) nasceu aqui no distrito de Portalegre, região onde a sua preparação é, por via disso, a mais apurada e o resultado final o mais apetitoso.
Há, no entanto, pratos similares noutras regiões do nosso país e até versões exóticas respondendo pelo mesmo nome : no Brasil, em Goa e em Malaca, por exemplo. Facto que, longe de nos preocupar ou de nos indignar, muito nos honra. Por sabermos que, geralmente, só se copia o melhor.
Mas falemos do nosso sarapatel, do genuino prato da nossa região, feito (no essencial) com o nosso inegualável pão caseiro, com a carne, as vísceras e o sangue de borregos criados nos nossos campos. E divulguemos a receita que, por muito tempo, prevaleceu na freguesia da Comenda, zona do Alentejo setentrional onde o sarapatel foi, outrora, o rei incontestado dos banquetes de casamento e das festas pascais. Mais uma nota : não confundir (como o faz, hoje, muito boa gente) o sarapatel com a sopa de cachola. Porque não é exactamente a mesma coisa.
Eis, agora, a receita do sarapatel, tal qual nos foi comunicada por uma nossa conterrânea. Haverá ligeiras variantes mesmo na nossa própria terra. Mas a culinária foi, é, e sempre será assim : cada executante junta sempre aos seus cozinhados algo de pessoal, um toque particular que terá muito a ver com o seu próprio gosto, com a sua própria sensibilidade.
O primeiro cuidado a ter na pré-preparação do sarapatel tem a ver, obviamente, com a escolha do borreguinho (refira-se que há quem o prepare, sem desvantagem, com cabrito), ao qual vamos extrair os elementos cárnicos adequados à execução do pitéu; que, regra geral, se cozinha para largo número de comensais, já que o sarapatel é um prato convivial, um prato de festa. Dizíamos, pois, que o anho (ou o cabrito) tem de ser um animal saudável e bem nutrido. Depois da matança, esquarteja-se o bicho, separando os nacos nobres (que se utilizarão noutros pratos) daqueles que vamos utilizar no sarapatel : as partes mais gordas da barriga, as costelas, a fressura, o fígado, o coração, além, naturalmente, do sangue.
O sangue é cozido à parte (com um pouco de sal) e reserva-se. Depois (ou ao mesmo tempo) faz-se, num tacho grande, um refogado tradicional com azeite, sal, cebola, alho, louro, colorau, salsa, picante e um copinho de vinho branco. Os ingredientes aqui mencionados entram no preparado em proporções que até a mais inábil cozinheira conhece. Quando tudo isto começa a aloirar, adiciona-se a carne, mais as vísceras seleccionadas, além do sangue cozido esfarelafo. Rectifica-se de sal. Deixa-se cozer –em lume brando- o tempo necessário, juntando água (tépida, de preferência) em quantidade razoável e prova-se; até que, finalmente, o cheiro e sabor nos indique que o divinal caldo (mais a carne que lhe dá consistência) está pronto para regar as fatias de pão que, entretanto, havíamos cortado e colocado numa travessa de tamanho adequado. Enfeita-se com raminhos de hortelã. O sarapatel deverá ser acompanhado, preferencialmente, com vinho tinto da nossa região, que, como todos sabem, é bem bom.
Agora que já dispõe da receita do sarapatel, ponha mãos à obra e execute este prato de aroma e gosto inconfundíveis, que foi, em tempos não muito distantes, uma das coroas de glória da gastronomia do norte alentejano. Da gastronomia desta úbera e generosa terra de além Tejo que nos viu nascer e da qual nós somos, simultaneamente, pertença e herdeiros. Com inequívoca e inexcedível honra !
Manuel Monteiro da Silva