segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

«A MINHA TERRA E OS USOS E COSTUMES DA SUA GENTE» (IV)






Meus amigos vamos publicar o post nº 100 deste blog, e para comemorar nada melhor que o ultimo texto de um excelente trabalho sobre a nossa terra, feito pelo pai(infelizmente já falecido), do nosso amigo Manuel Monteiro silva, em tempos que já lá vão.

(…)
Ainda temos dois meses antes do fim do ano. São dedicados à apanha da azeitona. Por essa altura toda a gente se encontra na terra. Os proprietários de grandes olivais admitem para as suas colheitas ranchos de homens e de mulheres para satisfazerem as suas necessidades de faina. Cada rancho tem um moço incumbido de chamar os demais por volta das cinco horas da manhã. Chamada essa que é feita com o auxílio de um búzio, que se faz ouvir em todo o povoado. Ninguém hesita em levantar-se e marchar a caminho do trabalho, que às vezes, fica a dez ou doze quilómetros de distância da aldeia. É um alarido naquelas madrugadas. Chovem vozes de todos os lados. Magotes de raparigas e de rapazes entoam, em coro, cânticos característicos da região. Quantas vezes a água cai, bátega sobre bátega, mas persistem sempre na esperança de um dia bonançoso; e lá vão elas e eles, velozes como gazelas, serpenteando em fila indiana por veredas e atalhos, galgando colinas e outeiros, a caminho dos olivais distantes. Há um que fica para trás, por já não poder acompanhar os da frente. Alguns deles são já seus netos. E ele, coitado, lá vai caminhando devagar, como uma nódoa mal divisada no escuro, no meio da solidão dos campos. Triste, pensativo, talvez recordando-se de algumas décadas atrás em que também ele galgava e corria. Mas caminha sempre, vindo às vezes despertá-lo daquela melancolia o melodioso canto do rouxinol, acolá em baixo no salgueiral, parecendo evocar o lendário canto : «minha mãe disse, disse…». O crepúsculo, primeira luz que antecede o dia, surge e já a matutina cotovia se eleva nos ares para lhes vir dar os bons dias. É sinal de que o astro-rei não demora a surgir no horizonte, o primeiro sinal para começar a trabalhar.
Os homens empinam escadas, estendem os panos e procedem à ripagem da azeitona, juntamente com algumas mulheres mais ágeis, enquanto as outras se dedicam à apanha das que caiem fora dos panais. É um trabalho divertido. Jogam-se piadas sem ofensa, que são sempre recebidas no meio de risota. Canta-se ao desafio e tudo corre animado durante o dia. Ao sol-posto carrega-se a azeitona, que é levada directamente ao lagar, onde é moída por pesadas galgas de granito. Depois de feita em massa é enseirada em seiras de Esparta sobre um carro metálico, que faz parte de uma prensa hidráulica que submete a azeitona a uma pressão de trezentas e cinquenta atmosferas e a obriga a largar a maior parte do óleo e toda a água-ruça. O bagaço empastado dentro de seiras é logo extraído das mesmas enquanto quente. Em seguida, passa por um destorroador mecânico, ou seja entra numa fase de preparação para ser submetido a uma salvatela, máquina de cilindros de movimento contínuo que o tritura ainda mais. Passa novamente em prensas de aço, mas de maior pressão (quatrocentas atmosferas), largando então o resto do óleo, que, depois de decantado, constitui o puro azeite, tão suspirado por todos nós.

Chegou o Natal -festa da família- e a noite da Consoada. Em todas as lareiras da minha terra a chama é mais acesa nesse dia. Sobre um enorme e crepitante braseiro há uma grande frigideira, onde se fazem as mais variadas espécies de filhós. Festeja-se, dessa forma, o aniversário do Redentor. Meia-noite. Os sinos da minha terra anunciam a missa-do-galo. Toda a gente acorre à igreja para ouvir a dita missa e visitar o presépio do Deus menino.
Poucos dias restam do velho ano e este meu Castelo de heróis aguarda com ansiedade um novo ano, para começar nova vida !

(António Francisco da Silva)

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