segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

A VITÓRIA DOS ALIADOS NA SEGUNDA GRANDE GUERRA FOI CELEBRADA NA COMENDA COM FOGUETES








Aqui há dias, conversando com um conterrâneo nosso -que contava 11 anos de idade em 1945, ano da vitória das forças Aliadas contra o nazismo- disse-me ele quão difíceis foram esses anos de conflito generalizado. Anos durante os quais foi necessário muita coragem e muita paciência aos comendenses, para poderem sobreviver numa terra onde (quase) tudo faltava ou era distribuído com parcimónia aos nossos conterrâneos, obrigados a esperas em longas filas para comprar pão, azeite, petróleo (ou melhor um dos seus substratos, que então se utilizava para a iluminação) e outros bens de primeira necessidade.
Na Comenda dos anos 40 o essencial da população era -à imagem do resto do país- maioritariamente analfabeta e, por essa razão de peso, a gente do Castelo vivia preocupada com os episódios que iam marcando o confronto entre as potências Aliadas, por um lado, e o Eixo Berlim-Roma-Tóquio, por outro lado, mas sem ter a exacta noção daquilo que se passava par lá das fronteiras de um país liderado por um político astuto e pouco escrupuloso; que, para preservar o regime, ia mudando (ao sabor dos dias) de estratégia face aos beligerantes e ao evoluir da situação. Hoje com uns, amanhã com outros.
Mas, a par dessa população menos preparada, havia também na nossa terra um núcleo de pessoas mais evoluídas culturalmente, que seguia com mais atenção e maior rigor o desenrolar do conflito e se mostrava preocupada ou esperançada com o seu desfecho. Essas pessoas dividiam-se (como em todo lado e segundo as suas convicções políticas) em duas facções : a anglófila, que desejava a vitória das potências ditas democráticas, e a germanófila, que apostava no triunfo final da Alemanha nazi e dos seus seguidores.
Abro aqui um parêntese para dizer que eu ainda me recordo de ver, no início dos anos 50 (quando eu era ainda um rapazinho de 6/7 anos de idade), grandes retratos da família real inglesa e de Churchill dependurados das paredes da sala de estar de uma conhecida família comendense, que ‘torcera’ pelos Aliados. Esses retratos (do rei Jorge VI, da rainha Mary, da princesa Isabel, futura herdeira da coroa, etc) eram separatas oferecidas, durante a guerra, por revistas britânicas de propaganda. Havia, naturalmente, pendentes germânicos e italianos das ditas, nas mãos e nas casas de outros portugueses. Mas essa propaganda dos derrotados foi, como é óbvio, retirada e escondida logo após a derrota do Eixo. Mas eu ainda tenho ideia de ter visto, por aqui e também já depois da guerra, um retrato do marechal Rommel no seu uniforme amarelado de comandante-chefe do Afrika Korps.
Os tais comendenses mais letrados de que falei ouviam o relato das batalhas, dos tratados e de outros acontecimentos importantes que pontuaram o conflito nas telefonias dos raros cafés e tabernas da terra, já que esses aparelhos de recepção eram ainda um luxo nas mãos dos particulares. Uma das estações mais seguidas pelos anglófilos era a BBC (de Londres), que, ao tempo, emitia um boletim de informação em língua portuguesa animado pelo saudoso jornalista Fernando Pessa. Liam também os jornais de Lisboa, que, embora amordaçados pela censura salazarista, não podiam esconder acontecimentos de grande impacto, tais como, por exemplo, o desfecho da batalha de Estalinegrado (primeira grande derrota dos exércitos alemães) e outras notícias pouco simpáticas para quem teve, durante todo o conflito, um retrato do chanceler Hitler sobre a sua secretária.
Segundo o meu informador (que confirmou notícias que eu já tinha obtido, aliás, noutras fontes), geravam-se, por vezes, cá na terra , acesas discussões sobre o evoluir da situação nos teatros de operações militares. Coisa que o regime ainda ia tolerando numa fase indecisa do conflito. Mas, a verdade é que as potências Aliadas acabaram por impor-se militar e politicamente aos seus adversários e por levar de vencida os poderosos exércitos da cruz gamada. Os anglo-americanos desembarcaram em força na Normandia em 6 de Junho de 1944 e começaram por libertar a França, dirigindo-se, depois, para a Alemanha no decorrer de operações imparáveis. O exército soviético acabou por conquistar Berlim (1º de Maio de 1945) e Viena. E Hitler -o carniceiro de judeus e de outras minorias étnicas não-arianas, a tal criatura que quis construir um império que durasse 1000 anos- acabou por suicidar-se miseravelmente no seu ‘bunker’, ao mesmo tempo que alguns dos seus mais emblemáticos seguidores. Outros dos seus sequazes seriam julgados pelo tribunal de Nuremberga e, a maioria deles, enforcados ou condenados a pesadas penas de cadeia.
A guerra terminou oficialmente na Europa no dia 8 de Maio de 1945; e na Ásia no mês de Setembro, logo após a mortandade provocada pelas bombas atómicas largadas pela aviação norte-americana sobre Hiroxima e Nagasáqui. Grandes festejos de vitória se celebraram por todo o Mundo. Em Portugal, o regime não o permitiu; e, depois da derrota e da morte de Hitler, até teve o descaro de decretar três dias de luto nacional. Na Comenda nem toda a gente achou essa atitude digna e, contrariando, a decisão oficial, mal se soube que a vitória dos Aliados se tornara efectiva, até houve foguetório.
Segundo o meu informador -o mestre José Balbino, barbeiro ainda em actividade e que tinha então (como já acima referi) 11 anos de idade- um anglófilo ferrenho cá da terra, o professor Vieira, comprou meia dúzia de foguetes na taberna do sr. João Flores e comemorou, com estrondosa girândola, a queda de Adolf Hitler e do nazismo.
E, já agora, aqui fica uma nota final (e marginal) sobre este episódio da pequena história da nossa terra : o supracitado sr. João Flores era também proprietário de um salão de baile -situado por cima da taberna que explorava- e tinha sempre um ‘stock’ de foguetes em casa; porque, quando decidia organizar um bailarico, anunciava o evento a quem queria dar um pé de dança com o lançamento de um desses ruidosos artefactos. Enfim, foi o que me contaram e que eu aqui deixo à vossa apreciação.

M.M.S.

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