terça-feira, 5 de janeiro de 2010

A FAINA


A faina principiou de manhã cedo
Manhã de Junho, quente, abafadiça;
Rasgam de cima abaixo o arvoredo
Os machados, na arranca da cortiça,

E o sobreiral vetusto, no segredo
Das trágicas paixões, na dor submissa
Dos vegetais, dir-se-á que se espreguiça
Num extâse espectral de espanto e medo.

Mas quando, ao fim da tarde, olho o montado
E vejo em carne viva ensanguentada
O velho sobreiral, sinto que encerra,

Nas torturas sem voz dos infelizes
A dor que vai dos troncos às raízes
Chorar, gritar no âmago da terra !

(Rúbem Andresen Leitão)


Quem pode ficar aqui, na Comenda -terra de tiradores de cortiça, de homens do montado- insensível a estes versos de Ruben A. ? -Provavelmente ninguém. Porque o espectáculo do descortiçamento dos sobreiros (necessário, por razões extra-poéticas) transmite-nos, sempre, aquilo que o artista tão bem descreve : um sentimento de «espanto e medo», perante a nudez ensanguentada das árvores mais nobres desta nossa querida charneca em flor…



Manuel Monteiro Silva

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