domingo, 5 de julho de 2009

FEIJÃO PRETO COM TOUCINHO E POUCO MAIS




Toda a gente sabe que, na nossa aldeia, feijão preto é o nome que, comummente, se dá a uma leguminosa designada noutras terras por feijão frade. Mas muita gente jovem do Castelo ignora (ou já esqueceu) que os seus antepassados sobreviveram graças à ingestão repetida desse produto.

O meu pai, que na sua juventude também tirou cortiça e fez carvoarias por esse Alentejo além, como a maior parte das pessoas da sua geração, contava-me que as frugais refeições tomadas durante os longos períodos que os comendenses passavam fora de casa, para executar essas rudes tarefas e ganhar o pão de cada dia, eram, essencialmente, compostas por uma pratada de feijão frade cozido acompanhada por umas talhadas de toucinho frito. Ritual que se repetia, no dizer do meu progenitor, três vezes por dia, durante semanas a fio !

Hoje, numa época em que comer bifes, costeletas ou febras se tornou banal, num tempo em que toda a gente (ou quase) pode saborear, às refeições, uma dourada ou uma posta de salmão e terminar o almoço ou o jantar com uma fresca peça de fruta (até exótica, se lhe der na real gana) ou com um iogurte, custa a crer que, por razões puramente económicas, os nossos pais e avós tivessem que se sujeitar ao tal feijão preto com toucinho (por vezes rançoso), à sopa de feijão com couves, às batatas cozidas com meia sardinha por pessoa e a outros constrangimentos dessa natureza.

Mas a frugalidade foi uma constante durante muito, muito tempo das populações rurais portuguesas. Foi verdade durante os anos de míngua do consulado Salazarista e, não hajam dúvidas, que também o foi durante as décadas que precederam a instalação do Estado Novo, que tinha o descaro de fazer a apologia da indigência, de vangloriar a pobreza.

Nas aldeias como a nossa a maioria das pessoas só enchia verdadeiramente a barriga em datas festivas e mediante algum esforço financeiro : pelos casamentos e outras festas familiares, por ocasião do Natal e da Páscoa, aquando da matança do porco (que quase todas as famílias engordavam) ou quando chegava a hora de ir à capoeira para sacrificar uma galinha ou um coelho. Os comendenses que caçavam lá iam enriquecendo os seus menus durante o período em que eram permitidas, por lei, as actividades venatórias. A ribeira da Venda e outros cursos de água da região ofereciam igualmente algumas presas –barbos, bordalos e outras espécies- susceptíveis de lhes variar a ementa. Valia-lhes a fruta, que por aqui era abundante e, geralmente, de excelente qualidade.

Eu recordo-me, por ter passado na nossa terra 2 anos inteiros (1952 e 1953), da penúria de alimentos aos quais os citadinos tinham acesso. O peixe, por exemplo, era recolhido na estação da Cunheira por dois ou três comerciantes locais (estou-me a lembrar dos senhores Domingos Tomé e Manuel Matias) e comercializado horas depois cá na aldeia. Recordo que, por essa época, a indústria do frio era praticamente inexistente e que o tal pescado já chegava ao Castelo muito afectado pelos trambolhões e pelo calor. Não é de admirar que, nessas circunstâncias, os acima referidos negociantes (e porventura outros que eu não recordo) se limitassem a trazer um número muito restrito de espécies : sardinhas, chicharros e cação. Por serem aquelas que melhor resistiam à longa viagem e, no Verão, às temperaturas elevadas que caracterizam o Alentejo interior.

Enfim, tempos difíceis, mas cuja recordação é sempre bom evocar numa época –a nossa, a deste início de século XXI- caracterizada pelo hábito, quase generalizado, de desperdiçar alimentos, água e outros bens preciosos. E isto num tempo em que o chamado Terceiro Mundo rebenta com fome e com sede, desesperando (porque definitivamente abandonado pelos países ricos) de alguma vez alcançar uma condição mais humana, mais digna neste mundo impiedoso em que vivemos.


Manuel Monteiro da Silva

Um comentário:

  1. Não podeis vos esquecer, o " feijão preto ", na vossa culinária castelense, parece que também dá, que dantes dava, as migas de feijão preto ...

    O´LUIS

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