terça-feira, 21 de julho de 2009

ALENTEJANO COM MUITO GOSTO




Sou alentejano por nascimento e, estou certo disso, também por gosto. Sim, gosto de ser desta terra situada nos confins da Europa ocidental, perdida entre o Tejo majestoso (que corre a dois passos de minha casa) e a agreste serra algarvia. Ah, o Alentejo ! Terra porventura tão enigmática, para a maioria dos europeus, como estranhas são para mim a Pomerânia, a Apúlia, a Trácia ou a terra dos Calmucos; que, diga-se de passagem, eu teria grande dificuldade em encontrar num mapa do nosso velho mundo às primeiras tentativas. E que todas elas terão (disso estou eu intimamente convencido) um charme particular para os seus filhos. Porque, afinal, é precisamente disso que se trata : da relação entre mãe e filhos. É que todos nós permanecemos ligados à região onde nascemos -à terra mãe- por um invisível fio umbelical, que, ao longo dos anos, vai alimentando e estimulando o nosso amor por ela. Mesmo se, às vezes, a nossa mãe telúrica se comporta como uma madrasta. Uma madrasta que nos nega o pão quotidiano e nos retira a esperança de sonhar com uma vida melhor, com uma existência condigna. Daí, receber ela frequentemente (a nossa terra) as parelhas de coices do costume e os ralhos de quem se vê na contingência de a atraiçoar, de a deixar por uns tempos.

Eu fui um desses alentejanos -entre tantos outros- que foi tentar encontrar na lonjura da estranja, na miragem do jardin de Éden, tudo aquilo que o Alentejo me negou. E, sejamos francos : nos negou por culpa, com a cumplicidade dos políticos deste país, que sempre privaram a nossa região (por pura incompetência ou por requintes de malvadez) das condições mínimas para que ela se desenvolvesse harmoniosamente e, assim, pudesse reter no seu seio todos os seus filhos.

Eu deixei o Alentejo com pouco mais de 3 anos de idade. E, com excepção de 2 anos aqui passados -em 1957 e 1958- sempre vivi arredado desta terra que também é minha e à qual eu quero (sei-o agora) como a mais nenhuma. Tenho 64 anos de idade e vivo na aldeia transtagana que foi meu berço há 4 anos. Lapso de tempo que tem servido para eu tomar consciência daquilo que é, ainda hoje, o nosso Alentejo : uma terra rica, linda, única, mas onde continuam a subsistir os problemas de ontem; problemas que fazem de alguns dos seus filhos pessoas ingratas, como eu sou.

Estou numa fase em que, todos os dias, aprendo coisas com o Alentejo e com os alentejanos. As coisas mais diversas e, por vezes, mais comezinhas. Mas tudo isso me maravilha. Mesmo quando, confesso, não há razão para tanto. Acompanhante de um grupo coral da minha terra (onde canta a minha companheira), tenho-me dado conta de quanto é rico o espólio alentejano em termos de canções e músicas populares. Cujos autores restam anónimos, mas que nem por isso deixam de ter menos mérito. Se me o permitirem, aqui vos deixo a letra de uma cantiga cantada pela gente da minha aldeia e, ao que me foi dado apreciar, por gente de todo este vasto e amado território transtagano. Chama-se «Se Fores ao Alentejo» e funciona quase como um hino à glória da nossa região.

(M.M.S.)

«SE FORES AO ALENTEJO»

O mar deixou o Alentejo
Onde trouxe canções de oiro,
Mas volta a matar saudades
Nas ondas do trigo loiro.

(refrão)
Se fores ao Alentejo
Vai vai vai vai vai,
Não te esqueças dá-lhe um beijo,
Ai ai ai ai.

Nas capelas e nos montes
Há sorrisos de brancura,
Onde fala a voz de Deus
Na voz de cal e de alvura.

(refrão)

Sobe o sol e abrasa a terra
A fecundar as espigas,
À sombra das azinheiras
Na dolência das cantigas.

(refrão)

Por lonjuras e planuras,
Oh solidão, solidão,
Eu quero paz no trabalho
P’ra poder ganhar o pão

(refrão final)

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Então, isto não é uma maravilha ?

Quero ainda dizer que o coral da minha terra juntou mais uma quadra ao texto original, em honra da nossa aldeia : Castelo Cernado/Comenda, uma localidade (do concelho de Gavião) situada no noroeste do distrito de Portalegre.

Cá vai essa quadra , que é da autoria de D. Maria Flores, uma senhora do nosso grupo polifónico :

Comenda terra de encantos
Tu és linda, abençoada,
Trago-te no coração,
Não te trocarei por nada.


Manuel Monteiro silva

Um comentário:

  1. Srº Manuel, é magnifico o seu pequeno texto, pequeno mas diz tudo sobre a nossa Pequena Aldeia, passo a repetição, porque queria dizer A Nossa Grande Aldeia.
    Sim, Grande Aldeia, 1º porque foi onde também nasci, e com muito orgulho também sou Alentejano, e tal como o Sr., espero um dia vir a passar aí as minhas "férias grandes".
    A última quadra deste belo Hino ao Alentejo, que não conhecia, para mim diz tudo o penso da minha Terra...
    "Comenda terra de encantos
    Tu és linda, abençoada,
    Trago-te no coração,
    Não te trocarei por nada."

    Lúcio Rente

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