sábado, 14 de novembro de 2009

«A MINHA TERRA E OS USOS E COSTUMES DA SUA GENTE» (II)




(…)
Acabada a faina da cortiça, voltam de novo à minha terra ou deslocam-se directamente a outras herdades, para procederem ao derrube de sobreiros e azinheiras autorizado pela Junta Florestal. Dessas árvores aproveitam a cortiça virgem, que se destina ao fabrico de aglomerados, e a casca que se encontra sob esta para utilização em curtumes de solas e cabedais e fabrico de tintas.
A lenha destas árvores, depois de convenientemente traçada com machados e serrotes, é rechegada para sítios seleccionados por peritos no assunto às costas destes mártires. Trabalho muito pesado (quantas vezes para além das possibilidades humanas), chegando, por vezes, a formarem-se feridas no pescoço destes bravos trabalhadores, que mais parecem cachaço de bois de trabalho que de seres humanos.
Aproxima-se a última semana de Agosto. Ninguém falta no seu Castelo querido à grande festa e feira anual –uma das mais importantes do Alto Alentejo- que tem lugar no campo, a um quilómetro da aldeia, junto à igreja de Nossa Senhora das Necessidades. São interessantes e bastante animadas, na minha terra, a última semana de Agosto e a primeira de Setembro. Enquanto chegam grupos destes bravos trabalhadores, surgem de todas as direcções caravanas de ciganos com a intenção de negociar burros, cavalos e muares. Os nómadas enganam muitas vezes os outros feirantes, mas sem eles a festa e a feira perdiam todo o seu colorido. É ver nesses dias em todas as tabernas da aldeia lindas ciganas e desengonçados ciganos, elas com seus trajes sevilhanos matraqueando castanholas e bandoleando o corpo em curvas voluptuosas, enquanto eles dedilham violas e batem palmas, exibindo danças características de Espanha.
Chegam, enfim, os dias de festa e de feira, que se efectuam nos primeiros dias de Setembro. Ainda é de madrugada e a aldeia dorme, mas é acordada pelo troar de girândolas de foguetes e pelo ribombar de potentes morteiros. A petizada salta da cama entusiasmada, às vezes sob o ralho dos pais que fingem não ouvir o foguetório, e se não consegue abrir a porta da rua salta pelo postigo. É ver os miúdos correr em várias direcções, tropeçando aqui e acolá, tentando ‘sprintar-se’ uns aos outros para irem apanhar as canas dos foguetes, o que constitui todo o seu contentamento.
O sol nasce. Os lugares da freguesia são saudados por uma banda filarmónica da região, geralmente de Tolosa, Castelo de Vide ou Gavião, procedendo ao mesmo tempo os festeiros ao peditório habitual, para auxílio da organização da festa em honra de Nossa Senhora das Necessidades.
Tudo é movimento atarefado nesse dia. As raparigas levantam-se mais cedo e vão várias vezes à fonte pública encher os seus potes de Nisa, para que não falte a água em casa nesse dia. Depois, é nos vestidos a estrear que se concentra todo o seu cuidado. Vestidos esses que são, geralmente, confeccionados em segredo, para que as outras não possam imitar o seu feitio ou comprar tecido igual. Depois, envergando os seus novos vestidos, lá vão elas com os seus pais e namorados a caminho da feira, empregar as arrecadas, amealhadas durante o ano, em roupas e objectos de uso caseiro, que depois do casamento constituirão o conforto do seu simples e modesto lar.
Estamos no primeiro domingo de Setembro. Os sinos do campanário daquela velhinha igreja anunciam a hora do meio-dia. Acorrem milhares de pessoas do sítio e das circunvizinhanças, que se vêem aglomerar em frente da igreja para ver sair a Virgem no seu andor, cujo pedestal vem assente sobre os fortes ombros de voluntários rapazes da aldeia. Saiu ! Há lágrimas sentidas nos olhos daquela gente rude e humilde. Ouve-se o rumor de fervorosas preces, que partindo do mais fundo das almas chegam até à maior das alturas. Depois de algumas voltas ao adro, o andor recolhe novamente à igreja e acabou-se, Assim, a festa.

Manuel Monteiro Silva

(continua)

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