quinta-feira, 16 de abril de 2009

O Cinema na Comenda


LARGO Dr.CEREIJEIRA














MOEDAS DE 10 CENTAVOS 20 CENTAVOS 50 CENTAVOS E 1 ESCUDO








ENTRADA PARA O SALÃO FLORES












FARMÁCIA MARGARIDO POR CIMA ERA O SALÃO FLORES






Mais uma recordação de outros tempos.


VAGAS RECORDAÇÕES DO CINEMA NA COMENDA (ANOS 40/50 DO SÉCULO XX)

A primeira vez que eu vi cinema na minha vida foi aqui no Castelo. Os filmes -já que foi uma selecção de documentários - que me abriu os olhos e o espírito para a genial invenção dos irmãos Lumière eram de natureza variada, mas eu só me lembro, e muito vagamente, do tema de um deles: a pesca do bacalhau, praticada nos longínquos e frígidos mares da Terra Nova e da Gronelândia pelos nossos indómitos lobos do mar.

Mais de meio século após esse evento que muito me marcou, sou incapaz de colocar um título no referido documentário (e nos outros), mas recordo perfeitamente o tom voluntariamente enfático do comentador da tal fita sobre os bacalhoeiros e a impressionante beleza –a preto e branco dos lugres e da sua intrépida navegação por entre montanhas de gelo flutuante.

O ecrã onde foi exibido esse tal espectáculo inédito para mim, como já referi foi a fachada branca de uma casa sita no Largo Dr. Cerejeira. Por essa época, os comendenses traziam de casa os assentos (bancos e cadeiras) e instalavam-nos em redor da tosca máquina de projecção do mestre André, o senhor que vinha regularmente á nossa terra com esse tão desejado espectáculo. Nessas sessões de cinema ao ar livre não se podiam, naturalmente, vender bilhetes. Assim, para tirar algum benefício do seu labor, o mestre André interrompia o espectáculo uma ou duas vezes para proceder ao necessário peditório junto dos presentes. E reclamava, falsamente indignado, no final dos mesmos, que o povo da Comenda só o obsequiava com matateus.

Abro aqui um parêntese, para esclarecer o seguinte : esse tempo era uma época de vacas magras. As pessoas trabalhavam muito a troco de salários baixíssimos e o dinheiro era coisa rara nos seus bolsos. Assim, nessas tais sessões de cinema ao ar livre, a gente da nossa terra (como a das outras, presumo eu) oferecia ao mestre André as moedas de valor facial mais baixo. Moedas de 1 e de 2 tostões, que, por serem de cobre, se faziam notar pela sua cor escura, em oposição às moedas de 50 centavos, de 1 escudo e outras mais valiosas, que, por serem niqueladas ou prateadas, eram designadas moedas brancas. O facto do mestre André chamar matateus áquilo que recebia, tem a ver com Sebastião Lucas da Fonseca, um ponta-de-lança belenense vindo de Moçambique. Alcunhado Matateu, esse que foi, porventura, um dos mais populares jogadores do futebol português dos anos 50, era um atleta de cor negra. Daí a alusão do projeccionista. Alusão que, creio eu, nada tinha de racista ou de discriminatório, já que o admirado Matateu recebia, nesse tempo, um carinho por parte dos portugueses brancos realmente extraordinário, fenómeno que só viria a repetir-se com o seu conterrâneo Eusébio.

Depois dessa exibição de filmes ao ar livre, que, por óbvias razões, só se fazia durante a estação estival, a Comenda continuou a ver cinema. Mas, desde então, em condições menos toscas. Eu recordo-me, por exemplo, de assistir à projecção de filmes num salão de baile, situado por cima da actual farmácia Margarido, e num pátio anexo, cuja entrada (de um e de outro recinto) se fazia pelo segmento Oeste da agora denominada rua Dr. Freitas Martins. Hoje sou, infelizmente, incapaz de citar o título dos filmes que aí vi. Recordo-me, no entanto, que também ali, nos espaços referidos, acorria muita gente fascinada pela magia dos bonecos em movimento. Presumo que, nesse tempo, as fitas propostas aos comendenses fossem de cariz popular : cinema de aventuras, dramas choradinhos, comédias hilariantes. E que alguns desses filmes fossem de produção nacional. Mas, francamente, não sei, já não me lembro.

(«Quem não tem passado, não tem futuro»)

Sobre este assunto, quedo-me por aqui. Propondo, no entanto, aos leitores habituais ou eventuais deste blogue o seguinte : «Castelo Cernado» quer ser um espaço aberto e interactivo, no qual podem e devem intervir todos os comendenses que gostem da sua terra e que manifestem um são interesse pelo seu presente e pelo seu futuro. Mas também por todos aqueles que queiram ajudar a divulgar as coisas, mais ou menos longínquas, do seu passado e das suas tradições. Para que a memória dessas coisas (mais importantes do que se pensa) não se esfume totalmente. Assim, desafiamos todos aqueles que nos lêem a completar os textos que por aqui vamos apresentando ou, até, a corrigir alguma coisa errada que, na nossa boa fé, aqui tenhamos colocando.


MANUEL MONTEIROS SILVA

4 comentários:

  1. Quero aqui acrescentar ao artigo do amigo Manuel que dizem os mais idosos que o cinema naquela época era projectado na parede de uma casa na praça principal da Comenda, casa essa que pertencia á época a um senhor chamado João Ambrósio Catarino e hoje pertencente aos filhos de um familiar, já falecido, de nome Manuel Dias Ambrósio.
    Dizer ainda que o senhor da máquina de projecção se chamava André Ascencio Roque.
    e para terminar dizer que o salão de baile que o Amigo Manuel se refere e onde se começou a exibir o cinema mais tarde, pertencia ao Sr.João Flores daí o nome Salão Flores.

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  2. Não duvido minimamente que a parede da casa do referido sr.Ambrósio (parede que eu conheço) também tenha servido de 'pano de fundo' às fitas do mestre André, cuja identidade fica agora e graças ao Dani mais precisa. Mas a m/recordação tem a ver com outra parede próxima das laranjeiras (lado sul). De qualquer modo, fico muito agradecido pelo complemento de informação, que completa o meu texto sobre o assunto. (mmsilva).

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  3. " O cinema naquela época era projectado na parede de uma praça principal da Comenda, casa essa que pertencia à época a um senhor chamado João Ambrósio Catarino, (...). ", é o amigo Dani que menciona no seu comentário.

    Na resposta e refutação, o amigo mmsilva, vem a dizer, não duvida " Não duvido minimamente que a parede da casa do referido sr. Ambrósio também tenha servido de "pano de fundo" as fitas do mestre André, (...). Mas a m/recordação tem a ver com outra parede próxima das laranjeiras (lado sul). "

    Não posso dizer e tomar uma posição, do pano "pano de fundo", da tela e superfície, o anfiteatro ao ar livre e a projecção da referida "sétima arte" em vossa terra e povo.
    O local de origem e nascimento eu desconheço, as memórias, o que ele deixou, a noite escura...

    Sei.
    Eu sei, sem anulando a informação do Dani, o registo de mmsilva, "outra parede próxima das laranjeiras (lado sul)", era na casa do sr. Manuel Carraca, na parede, na parede que fica na rua que vai para o vosso "Legado Municipal" e praça vossa.

    Uma história eu sei para confirmar a referida informação. Na referida parede da casa do senhor, na projecção de uma fita cinematográfica, aparece o "Doutor Oliveira Salazar", na plateia, na referida que nós estamos a falar, alguém se levantou e de pé gritou "levantem-se e tirem o chapéu ao sr. Doutor Oliveira Salazar", e o povo, o povo lá se levantou e o chapéu tirou.

    O´Luis

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  4. " «Castelo Cernado» quer ser um espaço aberto e interactivo, na qual podem e devem interferir todos os comendenses que gostem da sua terra e que manifestem um são interesse pelo seu presente e pelo seu futuro. Mas também por todos aqueles que queiram ajudar a divulgar as coisas mais ou menos longínquas, do seu passado e das suas tradições.»
    Eu subscrevo e assino por baixo a mensagem referida.

    Que me ficando e detendo por aqui, em finais dos anos 60 e começos da década de 70, o que passava, naquela altura se projectava,os filmes, "Josélito", uma criânça que em língua espanhola cantava...

    Que, sem perguntar se o mestre André, seu nome completo e concluído, André Ascencio Roque, o que vinha a vossa terra projectar as referidas fitas e cinema, não ficou e por essas bandas e terra se não estabeleceu.
    É o Padre Horácio Nogueira, seu livro, "Há Vida na Charneca", ele fala e descreve, descreve uma conversa com o "Soldador" da aldeia, dessa. O soldador, era o mestre André...

    Que finalizando o texto começado, eu formo a idéia e tenho no meu pensamento a opinião, o blog obteria um resultado mais elevado e ficaria o resultado dos textos e comentários mais bem reforçado a um maior recurso de fotográfias.
    Ficaria mais bem documentado, todo um arquivo com imagens, as mais diferentes e olhares, se a comunidade virtual, a que tem alguma coisa a ver com essa terra e aldeia, ela na net as colocasse e enviasse, fotografias, antigas e modernas.
    Não deixa de ser um projecto que está a nascer e se tornaria mais forte e mais resistente e intenso.

    O´Luis

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